Riscos Regulatórios para o Bitcoin e seus usuários

Os bitcoins são moedas virtuais que podem ser utilizadas para receber ou pagar montantes de dinheiro. Entretanto, ao contrário da maioria das moedas eletrônicas, os bitcoins existem fora do ciberespaço, possibilitando a compra de bens reais. Empresas importantes como WordPress, Mega e Reddit já os aceitam, assim como poucas lojas físicas. Existem também casas de câmbio e caixas eletrônicos especializados, que convertem as moedas tradicionais em bitcoins.
A chamada “primeira moeda digital descentralizada”, como o próprio título diz, é desvinculada de governos e bancos, não tendo assim as suas transações intermediadas por agentes que não o comprador e o vendedor. Além disso, a concepção dos bitcoins está embasada na teoria econômica monetarista e se assemelha muito ao uso do ouro como moeda. Os bitcoins, como o ouro, possuem uma quantidade fixa, ainda que nem toda ela já esteja em uso. Assim como o ouro, os bitcoins vão sendo “minerados” e colocados em circulação, até que um dia toda a quantidade da moeda já tenha sido “produzida”. Essa concepção torna a moeda apolítica, no sentido de que nenhum governo pode inflacionar a moeda. Por fim, os bitcoins podem ser enviados para qualquer lugar do mundo e garantem o anonimato, uma vez que as trocas são criptografadas a partir de códigos, que com a rede de ponto-a-ponto (P2P), fazem com que os valores sejam transferidos de forma direta de pessoa a pessoa.
O conceito dos bitcoins passou a ser desenvolvido no ano de 2007 por Satoshi Nakamoto, suposto criador da moeda. Ninguém realmente sabe a verdadeira identidade do programador. Muitos acreditam que o nome é, na verdade, um pseudônimo para um grupo, uma vez que em japonês “Satoshi” é utilizado como “pensamento claro”, enquanto “Naka” seria “dentro” e “moto” fundação, ou seja, “Pensamento claro dentro de uma fundação”. Entretanto, tudo se trata de especulações.
Foi em agosto de 2008 que o projeto começou a aparecer, quando foi arquivada a petição por uma patente criptografada por três indivíduos: Neal Kin, Vladimir Oskman e Charles Bry. Contudo, foi apenas no final do ano de 2008 que Satoshi publicou um artigo explicando a moeda digital e a sua aplicabilidade, o “Bitcoin: A Peer to Peer Eletronic Cash System”. No ano seguinte criou o código para suportar o sistema, liberando o primeiro “bloco” de bitcoins, o “Genesis”. No final de janeiro de 2009 foi realizada a primeira transação entre Nakamoto e Hal Finney, um programador entusiasta da ideia. Em fevereiro de 2010 foi estabelecido o primeiro mercado de bitcoins no mundo e publicado o requerimento da patente realizado em 2008. Ainda em 2008, tivemos a primeira compra efetuada com a moeda, em que um programador na Flórida pagou 10.000 bitcoins por uma pizza no valor de US$ 25.
Foi também em 2010 que o bitcoin chegou no Brasil. No dia 27 de junho, entrou no ar o primeiro site brasileiro de bitcoins, que permitiu a compra e venda dos mesmos. O mercadobitcoin.com.br começou com uma cotação de R$ 24 por unidade, com uma grande quantidade de moedas vendidas. A moeda se popularizou e o mercado começou a se expandir, sendo até mesmo utilizada em pequenos negócios, atingindo a marca de 50 mil usuários em 2014.

Os riscos para os usuários

De acordo com um estudo da Universidade do Kentucky publicado em 2015, existem, de forma geral, quatro perfis de usuários de bitcoins: libertários, investidores, entusiastas e, por fim, criminosos. Os libertários são os usuários que apreciam a ausência de agentes regulatórios. Investidores procuram ganhar com a valorização da moeda. Os programadores entusiastas seriam os usuários que recebem recompensas pelo processo de “mineração digital” dos bitcoins, que é a única maneira de se produzir “novos” bitcoins. E os criminosos veem o anonimato como o principal benefício da moeda, uma vez que isto facilita a compra de bens ilícitos.
Outra pesquisa realizada em 2013, pelo site Simulacrum, concluiu que a maioria das pessoas que utilizam a moeda são homens libertários de aproximadamente 32 anos. Entretanto, é importante relembrar que qualquer estudo que busca compreender o perfil de usuários de uma plataforma pautada no anonimato, vai encontrar sérias dificuldades e limitações intrínsecas às pesquisas de participação voluntária, não sendo exatos, mas essenciais para uma melhor compreensão.
No caso do Brasil, a moeda é comumente usada para investimentos e pagamentos externos, visto que ela torna mais fácil para os empresários esquivarem-se dos custos de emissão de dinheiro para o exterior. Só em 2015, houve um aumento de 158% em transações com bitcoins em relação ao ano anterior, acumulando um total de R$ 113,1 milhões. Os bitcoins já são usados também como forma de pagamento em algumas empresas, a pedido dos funcionários.
Com relação ao comércio, os estabelecimentos podem tanto aceitar pagamentos diretamente em bitcoins, ou terem seus clientes usando a moeda sem que o vendedor nem mesmo tenha conhecimento. Já é possível fazer compras com cartões de bandeiras tradicionais e ter o valor debitado em uma carteira de bitcoins, sendo que o comerciante recebe o valor na moeda corrente.
Entretanto, a moeda apresenta uma série de fatores de risco para os próprios usuários, como por exemplo a sua variação no preço e liquidez e a dificuldade de convertê-la de volta para a moeda comum. Os bancos também não aceitam abrir contas de estabelecimentos para receber em bitcoins e há a questão da regulamentação estatal. Além disso, a descentralização e independência da moeda em relação ao sistema financeiro, não permite que a plataforma consiga prevenir estornos e devoluções no caso de furtos, assim os usuários não possuem nenhuma proteção legal, estando expostos a inúmeros riscos. A moeda virtual também apresenta riscos para a sociedade e Estados como um todo, pois pode ser utilizada para atividades ilícitas e lavagem de dinheiro, podendo gerar evasão de divisas. Por outro lado, traz aspectos positivos como o anonimato e o custo de transação mínimo.
Os bitcoins também criam certas oportunidades dentro do mercado financeiro global. Com o aumento da automatização e internetização da vida, as pessoas acabam por se voltar para meios mais práticos e rápidos de resolver os seus problemas no cotidiano, como as próprias transações comerciais, que passaram, em sua maioria, a ser realizadas ou pagas de forma digital. Além disso, o sentimento antiestablishment que há atualmente entre os cidadãos dos países, faz com que os indivíduos queiram aumentar o seu poder diante do Estado, buscando assim, mecanismos que não dependam das autoridades governamentais, como os bitcoins, por exemplo.
Percebe-se, portanto, que com o crescimento do uso da internet, as moedas virtuais são impulsionadas e, consequentemente, atrelam-se cada vez mais à economia real, sendo capazes assim de desestabilizar o setor financeiro.

Os riscos regulatórios

Os bitcoins também apresentam fatores de risco e oportunidades para eles mesmos, como por exemplo as regulamentações as quais podem ser submetidos e as vantagens que podem trazer para o sistema em que estão inseridos. O principal desafio que os bitcoins representam para as instituições e governos tradicionais, atualmente, é a sua própria conceituação. Há sérias divergências em como classificá-los, alguns países alegam que a moeda é uma propriedade, outros um protocolo ou até mesmo um commodity.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o órgão tributário Internal Revenue Service classificou os bitcoins como uma propriedade. O mesmo ocorreu com o Canadá, que fez com que as vendas e lucros efetuados por meio da moeda fossem declarados. A Alemanha teve uma posição diferente ao classificar a criptomoeda como um dinheiro privado. Assim, os países ao realizarem a classificação tributária dos bitcoins, por meio da positivação de normas, evitariam, por exemplo, a evasão fiscal.
O governo brasileiro, por sua vez, adotou uma posição neutra em relação aos bitcoins, afirmando que observaria as discussões e descobertas sobre a moeda virtual nos foros internacionais, a fim de que, posteriormente, pudesse adotar determinadas regulamentações. Entretanto, tal posicionamento foi estabelecido no ano de 2014 e nenhuma lei foi ainda implantada. Nessa época, o mercado de moedas virtuais no território nacional era muito menor do que hoje, só em 2016, segundo a BitValor, 363 milhões de bitcoins foram negociados no Brasil.
No mesmo ano, o Banco Central do Brasil também emitiu a sua posição, alegando que os bitcoins não poderiam ser classificados como moeda eletrônica para fins da legislação brasileira. Tais moedas são diferentes dos bitcoins, pois equivalem à moeda nacional. Sendo assim, os bitcoins são conceituados como moedas virtuais e não são objetos de regulação específica pelas autoridades bancárias.
Todavia, é válido ressaltar que o Estado brasileiro afirma que os bitcoins devem ser declarados no Imposto de Renda, mesmo que ainda não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual.
Assim, como podemos perceber pelos exemplos citados, há uma tendência legislativa de classificar os bitcoins como propriedade, e não como uma moeda que poderia circular legalmente pela sociedade. Por conta disso, crimes pautados na natureza de moedas legais, não poderiam ser aplicados aos bitcoins.
Apesar do Brasil não possuir uma legislação específica para as moedas virtuais, o Banco Central já alertou sore os riscos que as mesmas podem trazer, visto que não são emitidas e nem reguladas por nenhum mecanismo governamental, não tendo o seu valor ou uso protegidos. Além disso, o Banco também alega que atividades ilícitas perpetradas por meio da utilização de bitcoins serão investigadas, assim como os usuários da moeda que talvez nem estejam relacionados aos casos.
Como a utilização da moeda para fins escusos é algo que vem crescendo atualmente, há o risco da regulamentação por parte do governo brasileiro, que enxerga a mesma como uma forma de prevenção contra a conexão da moeda como o mercado ilegal. Entretanto, tal regulamentação não necessariamente trará o fim da moeda, uma vez que várias outras invenções digitais que foram regulamentadas não desapareceram do mercado, como por exemplo a Internet. Além disso, tal ação pode até mesmo trazer benefícios para a moeda, pois aumentaria a confiança por parte dos usuários e a segurança dos mesmos ao poder criar leis que punam o roubo de carteiras digitais e formas jurídicas de proteção aos investimentos e montantes guardados pelos usuários.
O Projeto de Lei 2303/15, proposto pelo deputado Aureo Ribeiro (SD –RJ), visa oficializar as moedas virtuais como forma legal de pagamento, a fim de que as mesmas possam ser integradas no Sistema de Pagamentos Brasileiro, podendo ser regulamentadas. Dessa forma, os bitcoins seriam disciplinados pelo Banco Central e fiscalizados pelo Centro de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Todavia, tal projeto foi iniciado no ano de 2015 e ainda não foi concluído. Segundo o site da Câmara dos Deputados, o projeto tramita em caráter conclusivo, tendo sido avaliado pela última vez no dia 12/07/2016 pelo plenário.
É importante lembrar que não houve nenhum posicionamento até agora da Casa da Moeda ou da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) em relação aos bitcoins. Entretanto, desde meados do ano passado, a Febraban começou a discutir possíveis regulamentações para os bancos digitais, além da implantação da tecnologia de blockchain. Tal tecnologia consiste em um registro público de todas as transações efetuadas, visando a eliminação da centralização de registros e certificados, só foi utilizada em grande escala pelos próprios bitcoins. Vários bancos estão começando a implantá-la, como o banco Santander, por exemplo. Esses bancos alegam estar se concentrando no desenvolvimento de suas próprias infraestruturas financeiras e moedas digitais. Outro fator importante a se mencionar em relação a Febraban é que a mesma criou no começo do ano de 2017 a Comissão Executiva de inovação. Essa comissão formada pelos principais bancos do país (Itaú, Santander, Votorantim, entre outros), busca estudar e entender os impactos e riscos que as novas tecnologias podem trazer para o ambiente financeiro. Vale notar também que em novembro de 2015, após o projeto de lei ter sido apresentado, foi realizada uma audiência pública na câmara dos deputados a fim de debater o tema das criptomoedas e avaliar possíveis medidas de regulação. A reunião da Comissão de Finanças e Tributação contou com a presença de três importantes instituições para essa discussão: o Banco Central, a Coaf e a Febraban. Além disso, compareceram à reunião alguns deputados e também o representante da CoinBR, mercado brasileiro de bitcoins, Rocelo Lopes. O executivo afirmou que o estudo sobre esse novo tipo de tecnologia é imperativo, e que ela pode abrir uma série de possibilidades para o setor financeiro. Entretanto, também apelou para o lado da regulamentação, pois disse ser necessário vigiar uma plataforma com tamanho potencial. Também contra argumentou as afirmações de que os bitcoins eram apenas utilizados para crimes, alegando que várias outras formas de câmbio como o dólar são utilizadas para financiar ações ilegais. Além disso, afirmou que as compras pela moeda só podem ser realizadas após a apresentação do CPF, RG e comprovante de renda, visando evitar crimes. Porém, a deputada Soraya Santos (PMDB – RJ) afirmou que é muito difícil ainda legislar sobre um tema de que se tem pouco conhecimento, pedindo assim para que o deputado Paulo Teixeira (PT – SP) elaborasse um relatório de aprofundamento sobre o mesmo.
Devemos, por fim, analisar os riscos que os bitcoins podem sofrer após os ataques cibernéticos realizados em maio de 2017. O ataque utilizou um vírus, o “WannaCry”, para invadir computadores e se apropriar de arquivos, o resgate dos últimos poderia ser feito por meio das moedas bitcoins. Tal invasão, entretanto, não ocorreu apenas em computadores pessoais, mas afetou também as máquinas de organizações governamentais dos Estados Unidos, do Brasil e países da Europa, entre outros. Nesse contexto, a moeda teve uma queda de 7% em sua cotação, após um mês de altas consecutivas. Entretanto, o CEO do Mercado Bitcoin do Brasil, Rodrigo Batista, afirmou que essa diminuição não está relacionada diretamente aos ataques. Segundo ele, a moeda tinha se valorizado, então os usuários resolveram vender suas reservas. De qualquer forma, os governos de países como a China, desde antes do ataque, começaram a intensificar as suas regulamentações. O Banco Popular da China, por exemplo, aumentou os seus esforços para regular as bolsas de bitcoins no país. Segundo um deputado do Congresso Nacional do Povo, o país tem planos de curto e longo prazo para definir regras para a utilização dessas moedas virtuais, entre essas medidas está a proibição de transferências de capital transfronteiriços com bitcoins. É de extrema importância que as empresas, usuários e a própria plataforma de bitcoins estejam atentos as leis e normas que estão sendo criadas em outros países, pois elas podem virar tendências regulatórias em diversos locais.

Nota:
1. Aaron Yelowitz & Matthew Wilson (2015) Characteristics of Bitcoin
users: an analysis of Google search data, Applied Economics Letters, 22:13, 1030-1036, DOI:
10.1080/13504851.2014.995359

Beatriz Amaral

Beatriz Amaral Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Luísa Lotto

Luísa Lotto Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Caio Nielsen

Caio Nielsen Analista Júnior Bacharelando em Relações Internacionais