Imigrantes como ameaça ou oportunidade de força de trabalho?

 

O final do ano de 2016 marcou um aumento de 300.000 pessoas saindo de suas casas devido a conflitos, violência e perseguição, quando comparamos ao ano anterior, segundo dados das Nações Unidas. Fazendo com que a mobilidade humana nos tempos atuais se torne uma prioridade política devido a sua capacidade de criar desafios para os países de primeiro asilo, trânsito e destino, bem como nos países de origem. Estes desafios incluem o impacto destas populações quando são acolhidas, na aceitação da população local em termos de preconceito e xenofobia bem como na composição da força de trabalho dos países hospedeiros – sendo então fonte de riscos políticos, sociais e econômicos.

São 65.6 milhões de pessoas que se deslocaram de forma forçada ao redor do globo até o final do ano passado. 22.5 destas pessoas são refugiados – mais da metade destes estão abaixo dos 18 anos –, 10 milhões sem estado, 40.3 milhões são pessoas internamente deslocadas e 2.8 milhões são solicitantes de asilo, segundo dados das Nações Unidas[1]. Vale ressaltar que dos volumes citado acima, somente 189.300 são refugiados reassentados, ou seja, aqueles que receberam asilo e estão sendo reintegrado à uma sociedade. Estes indivíduos são acolhidos majoritariamente por países do continente africano e do Oriente Médio por uma questão de proximidade geográfica, uma vez que mais da metade destes refugiados são oriundos da Síria, Afeganistão e Sudão do Sul e as instabilidades domesticas na Nigéria e Iêmen também tem contribuído para esse volume exacerbado. Os países que recebem o maior volume de deslocados são Turquia, Paquistão e Líbano, mas estes países costumam ser transitórios, poucos os escolhem como país para solicitar asilo – o destino final almejado costuma ser os países europeus.

Aceitar refugiados e garantir que eles possam ser integrados a uma nova sociedade não é uma tarefa simples, pois é necessário investir recursos não só em políticas públicas de assistência a essas pessoas visando sua integração na sociedade, mas também para instruir a população local. Contudo, o que temos assistido é um alto nível de intolerância, baixa aceitação populacional e diversas dificuldades governamentais para com a acolhida destes refugiados além de diversos Estados que vem dificultando a entrada de refugiados como é caso do Reino Unido, França e também os Estados Unidos. A Polônia, Hungria e República Tcheca, por exemplo, não aceitam refugiados desde julho – desafiando decisões da União Europeia (UE). Mesmo a Alemanha, que é conhecida pela sua política de “portas abertas” já vem, desde o ano passado, vem declinando cada vez mais os pedidos de asilo – em 2016, 62% dos casos obtiveram aprovação e durante este ano a taxa é de 44%[2].

Contudo, essa intolerância e dificuldade criada pelos países vai contra a lógica dos dados divulgados recentemente pelo Eurostat referente a composição demográfica dos países da UE. Em julho deste ano, a Eurostat afirmou que a população da região aumentou somente devido a imigração. Em 13 dos Estados Membros, mais pessoas morreram do que nasceram em 2016. A entrada significativa de migrantes na Alemanha – majoritariamente sírios – e os números um pouco menores na Finlândia e Polônia significa que as populações conseguiram crescer. Mesmo com todas as dificuldades que imigrantes possam gerar em termos de gestão pública, para crescer em termos populacionais e de força de trabalho a Europa precisa de mais migrantes. A Eurostat estima que somente a Irlanda, França, Noruega e Reino Unido seriam capazes de ver a sua população crescer sem imigração. Enquanto a Alemanha e Itália enfrentarão uma queda de 18% e 16%. E no caso da Alemanha, mesmo que a migração continue a previsão é de que o país consiga somente manter o seu nível populacional.

Essa alteração no crescimento populacional e na formação da força de trabalho europeia terá um impacto negativo significativo tanto na economia local destes países quanto na global, caso os Estados continuem olhando para os imigrantes mais como ameaças do que oportunidades. Não obstante, a medida em que países desenvolvidos impõe dificuldades, a procura por países que possuem uma política mais aberta aumenta – como é o caso do Brasil.

Além das nossas comunidades árabes e demais etnias já bem estabelecidas contribuírem de forma significativa para facilitar também esse interesse. O Ministério da Justiça e Segurança Pública constatou um aumento de 12% no número total de refugiados reconhecidos no ano de 2016 – 9.552 pessoas de 82 nacionalidades. Os cinco países com maior solicitação de refúgio no ano foram Venezuela, Cuba, Angola, Haiti e Síria enquanto os com maior número de reconhecidos foram Síria (326), República Democrática do Congo (189), Paquistão (98), Palestina (57) e Angola (26). E quanto mais os países fortalecerem as restrições, mais aumentará a procura por acolhimento em países em desenvolvimento.

Contudo, o governo brasileiro não oferece nenhum apoio financeiro aos refugiados – como faz o governo alemão, por exemplo – então a única opção são as organizações pró direitos humanos e dos centros de culturais apoiar as famílias – desde auxílio com aluguel de imóveis, cursos de português, apoio jurídico, dentre outros. O acolhimento no Brasil acontece com base na lei n. 9474, de 1997, que garante o direito de inscrição no CPF e a uma carteira de trabalho. Ou seja, não existe política de integração, como existe na maior parte dos países europeus. Ao chegar no Brasil, normalmente somente com uma troca de roupa, não recebem moradia, dinheiro ou auxílio para inserção no mercado de trabalho.

No Brasil, a inclusão no mercado de trabalho é uma das grandes dificuldades do refugiado. O trabalho é a forma fundamental para garantir a independência financeira e construção de uma vida digna além de ser crucial para a integração do refugiado na sociedade local. Além do idioma, baixa informação sobre o processo de refúgio e questões legais de documentação – as pessoas ficam períodos longos sem ter carteira de trabalho devido a morosidade no nosso processo dos pedidos de asilo, hoje o pedido leva cerca de dois anos, ou seja, ficam todo esse período sem carteira de trabalho, sem conta bancária, sem acesso à saúde e educação – eles dificilmente encontram oportunidades equivalentes a sua qualificação, devida a atual crise econômica e taxa de desemprego de 14 milhões de desempregados.

Outra dificuldade significativa é o preconceito pois muitos brasileiros acreditam que eles estão “roubando os nossos empregos”, além do racismo estrutural que ficou ainda mais evidente com a aprovação da nova Lei de Migração (nº 13.445), que entra em vigor em novembro, quando pudemos testemunhar diversas mobilizações contrárias ao recebimento destas pessoas no país. Mesmo que a nossa política tenha sido de “portas abertas” em diversos períodos anteriores – como nos pós I e II Guerra Mundial, por exemplo – e que sejamos um país majoritariamente composto por migrantes.

Desta forma, em mais um ciclo histórico é possível perceber que movimentações do Norte podem vir a ditar quais serão as preocupações dos países do sul. Caso as dificuldades continuem sendo impostas aos imigrantes, será necessário que o Brasil e demais países do Sul se preparem melhor para receber de forma melhor estruturada e possam aproveitar esses imigrantes como mão de obra qualidade. A mobilidade humana continuará sendo uma prioridade uma vez que não vemos solução no médio ou longo prazo para os conflitos que estão gerando tais deslocamentos.

 

Notas:

[1] Refugiados são aqueles que fogem da violência, perseguição e abusos em/dos seus Estados, internamente descolados são aqueles que fogem como os anteriores, mas não conseguem ou não chegam a cruzar a fronteira do seu país – tendo os primeiros a possibilidade de solicitar asilo, ou seja, guarida e permanência em outro Estado devido à situação da qual fogem e sem estado são aquelas pessoas que foram negadas uma nacionalidade.

[2] Disponível em: http://www.bamf.de/SharedDocs/Anlagen/DE/Downloads/Infothek/Statistik/Asyl/aktuelle-zahlen-zu-asyl-juli-2017.pdf?__blob=publicationFile

Beatriz Amaral

Beatriz Amaral Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Luísa Lotto

Luísa Lotto Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Caio Nielsen

Caio Nielsen Analista Júnior Bacharelando em Relações Internacionais