UE dificulta a conclusão do acordo com o Mercosul para dezembro

Como parte das negociações do Acordo de Associação Birregional entre União Europeia e Mercosul, ocorreu em Brasília nos últimos dias 02 a 06 de outubro a XXIX Reunião do Comitê de Negociações Birregionais (CNB). O foco deste acordo de livre comércio é: (i) reduzir taxas alfandegárias, (ii) extinguir barreiras ao comércio de serviços além de nova regulamentação para as compras governamentais, (iii) procedimentos alfandegários, (iv) barreiras técnicas e (v) propriedade intelectual.

As negociações para este acordo tiveram início em 1999 mas foram interrompidas em 2004 por falta de consenso entre as partes. Quando as negociações foram relançadas em 2010, dez rodadas de negociação ocorreram – focando principalmente em regras ao invés de acesso a mercado, antes que as negociações fossem pausadas em 2012. Já em 2016, as primeiras ofertas de fato ocorrem ao tratarem Bens, Compras Públicas, Investimentos e Serviços. E a rodada seguinte ocorreu em Brasília, conforme mencionado acima, onde os grandes entraves foram o etanol e a carne bovina – os produtos mais sensíveis para as partes pois os países latinos buscam pela abertura deste mercado europeu multimilionário.

O acordo da UE com o Mercosul vem encontrando maiores dificuldades desde então uma vez que foram oferecidas em Brasília cotas de importação de carne e etanol pela UE mais restritas – 70 mil toneladas de carne bovina e 600 mil toneladas de etanol ao ano. Abaixo das 100 mil toneladas de carne e 1 milhão de toneladas de etanol que haviam ofertado em 2004. Isso faz com que a previsão de conclusão do acordo para dezembro fique comprometida. “Tecnicamente, é possível. É um pouquinho mais difícil porque tem um desafio adicional que não esperávamos. Ficaram aquém das expetativas (…). Esta é a razão principal da decepção do Mercosul[1]”, afirma o diplomata brasileiro Ronaldo Costa Filho diretor do Departamento de Negociadores Comerciais e Extrarregionais do Ministério das Relações Exteriores.

O Presidente da Sociedade Rural Argentina (SRA) disse que espera que o Mercosul exporte 400 mil toneladas de carne bovina por ano para a UE e considerou baixa a oferta inicial do bloco. “Nós (Mercosul) queremos 5 por cento do mercado europeu de carne, que é de 8 milhões de toneladas. Ou seja, esperamos 390 mil, 400 mil toneladas”[2], afirma Luis Etchevehere, representante de uma das principais associações agropecuárias da Argentina.

Mesmo que o prazo tenha se tornado mais difícil, ele ainda é possível dada a relevância econômica para ambos os lados. Ademais, houve avanço institucional nas negociações em Brasília – nas vertentes política, cooperação e livre comércio. Contudo, a preocupação ainda reside no fato de que elas dialogam pouco entre si.

Vale notar que o resultado da rodada de negociações gerou reação negativa do setor privado tanto por parte dos países membros da união aduaneira quanto da União Europeia, principalmente França, Irlanda e Bélgica com suas economias tradicionalmente agrícolas e que queiram deixar esse assunto para o final das negociações. E o presidente francês Emmanuel Macron afirmou que não possui pressa para fechar esse acordo em dezembro, inclusive levantando preocupações sobre cuidados sanitários com a carne. Mesmo que a França não tenha veto algum sobre o acordo, seu posicionamento possui relevância e pode ser um complicador.

A preocupação por parte dos produtores agrícolas europeus é que a concorrência não será igualitária uma vez que as partes não produzirão sob as mesmas condições ou padrões, principalmente com relação à legislação ambiental. Apesar disso, representantes da UNICA afirmaram que os subsídios que a UE aplica ao setor açucareiro colocam a produção brasileira em uma desvantagem ainda maior, 22 vezes maior. Os produtores de etanol europeus são protegidos por uma tarifa de importação proibitiva de €0.19 por litro. A Associação dos fazendeiros da UE e cooperativas agrícolas acreditam que este não é o momento para ofertar maior acesso de mercado ao Mercosul devido as incertezas do futuro do mercado de biocombustíveis pós 2020, pode comprometer o crescimento e empregos nas zonas rurais[3].

Outra questão sensível é a redução da proteção das condições do trabalhador colocada pelo governo de Michel Temer. Mesmo que não existam comunicados diretos sobre a portaria que flexibiliza a fiscalização do trabalho escravo, a UE tem se manisfestado à favor da implementação de normas internacionais fundamentais do trabalho e demais convenções internacionais – incluindo aqueles da agenda do trabalho decente. Este pode ser mais um entrave, mas no último dia 23, o Ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes afirmou disposição do governo em alterar a portaria à fim de adequá-la às normas necessárias. “O Presidente Temer já anunciou que vai acolher sugestões feitas pela procuradora-geral, Raquel Dodge, de modo a precisar o conceito de trabalho escravo com absoluta concordância com o que prescreve o Código Penal[4]”, afirmou o Ministro.

Também vale notar a mobilização dos atores governamentais dos países membros do Mercosul com relação à novos acordos. O Brasil recebeu a delegação canadense e deve anunciar um acordo na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em dezembro e o próprio Mercosul vem negociando um acordo de livre comércio com o país. Para esta negociação avançar falta apenas a consulta formal ao gabinete do Presidente Trudeau e ela não possui temas sensíveis, ou seja, possui grande potencial de avanço rápido. Além de estar em negociação com o European Free Trade Association (EFTA), composto por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. Já houveram duas rodadas de negociação, os países latinos devem encontrar dificuldades com os produtos agropecuários como tem sido o caso com a UE.

De qualquer forma, o foco permanece sendo o mercado europeu e foi deixado um desafio adicional para as próximas etapas da negociação que acontecerá em novembro em Bruxelas. A UE pretende concluir as negociações até dezembro para anunciar o acordo político na rodada da OMC de 2018, mesmo que detalhes ainda sejam negociados ao longo de 2018, que acontecerá em Buenos Aires. E por mais que existam entraves, Bruxelas segue acreditando que o prazo é possível por existir vontade política e larga participação no diálogo técnico – o que cria margem para negociação. Contudo, acesso ao mercado é o que busca os países do Mercosul – se isso não for contemplado no acordo, ele se torna inútil. Para o Mercosul, o setor agrícola é tão importante quanto o setor de serviços é para a Europa.

 

 Notas:

[1] ISTO É. Acordo com UE está um pouco mais difícil (negociador do Mercosul). 06/10/2017. Disponível em: https://istoe.com.br/acordo-com-ue-esta-um-pouco-mais-dificil-negociador-do-mercosul/ Último acesso em: 23/10/2017.

[2] FOLHA DE S. PAULO. Argentinos querem 5% do mercado da UE de carne para acordo do Mercosul. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/10/1926943-argentinos-querem-5-do-mercado-da-ue-de-carne-para-acordo-do-mercosul.shtml Último acesso em: 23/10/2017.

[3] STRATFOR. Biofuels Emerge as Burning Issue in EU-Mercosur Talks. Oct 6, 2017. Disponível em: https://worldview.stratfor.com/article/biofuels-emerge-burning-issue-eu-mercosur-talks Último acesso em: 23/10/2017.

[4] FOLHA DE S. PAULO. Mercosul e União Europeia podem chegar a acordo comercial. 24/10/2017. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/10/1929646-mercosul-e-uniao-europeia-podem-chegar-a-acordo.shtml Último acesso em: 24/10/2017.

Beatriz Amaral

Beatriz Amaral Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Luísa Lotto

Luísa Lotto Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Caio Nielsen

Caio Nielsen Analista Júnior Bacharelando em Relações Internacionais